Apesar da Lei Rouanet ser o termo mais popular pelo qual é conhecida a Lei Federal de Incentivo à Cultura, ainda existem muitos mitos envolvendo a compreensão geral da legislação. Com as fake news que ganharam força nos últimos anos, há quem pense que só projetos grandes ou conduzidos por famosos recebem o incentivo, entre outras questões que não têm nada a ver com a realidade.
Isso cria dois grandes problemas. O primeiro é que essas afirmações falsas “sujam” o nome da lei, fazendo ela parecer, aos olhos de alguns, um desperdício de dinheiro público. Já o segundo afasta empresas da iniciativa, pois existe a crença de que recorrer à Lei Rouanet é impossível ou muito difícil.
Mas, o que é verdade e o que é mentira sobre a Lei Rouanet?
A Lei Rouanet é para grandes artistas e chegados no governo
Isso não faz nenhum sentido e, ainda assim, é uma das mentiras mais propagadas sobre a Lei Rouanet. Felizmente, é bem fácil de mostrar que trata-se de fake news.
Para começar, existe todo um processo que determina a viabilização de um projeto através da Lei Rouanet. Ele envolve várias etapas, culminando na avaliação do Ministério da Cultura, que dá o aval ou nega a liberação das verbas. Existe uma análise de viabilidade técnica e um parecer da Comissão Nacional de Inventivo à Cultura. No mais, nem todos projetos que você vê sendo difamados na web são, de fato, amparados pela Lei Rouanet.
É preciso tomar cuidado com narrativas inverídicas e agendas pessoais de usuários de redes sociais, que divulgam notícias falsas em grupos e propagam informações completamente equivocadas, apenas porque não gostam de um projeto e querem angariar o apoio de pessoas que, por pensarem que tal projeto é amparado pela Lei Rouanet, se revoltam e criam pressão online.
Além disso, todas as análises são feitas do ponto de vista técnico e de cumprimento dos requisitos da lei. Não há um julgamento quanto ao mérito do projeto ou do proponente — apenas se as características são adequadas. Então, mesmo quem está alinhado com as pautas do governo pode não conseguir o sinal verde se não seguir todas as regras.
Por fim, uma pesquisa rápida permite reconhecer que até críticos de governos já obtiveram a aprovação de captação. O processo é idôneo e garante que todos tenham chances iguais.
Em relação aos artistas famosos, novamente, não há um julgamento sobre a fama ou importância do proponente. O único elemento considerado é o projeto. Se ele atende às expectativas, é aprovado — seja de um artista nacionalmente conhecido, seja de quem propõe pela primeira vez.
Essa lei tira recursos que poderiam ir para a saúde, para a educação?
Por envolver um ministério e se tratar de uma lei federal, muita gente acha que esse mecanismo “retira” o dinheiro que seria investido em creches, escolas, hospitais ou políticas de segurança. No entanto, a maior parte dos recursos vem das próprias empresas.
Ou seja, na prática, o governo praticamente não destina dinheiro para a cultura. Em vez disso, ele “terceiriza” essa função para os empreendimentos — normalmente, aqueles da iniciativa privada.
Tudo isso é possível por conta da renúncia ou incentivo fiscal. Funciona assim: as empresas que patrocinam projetos aprovados podem abater até 4% do Imposto de Renda na próxima declaração. Na prática, o apoio sai de graça.
Considere um negócio que paga R$ 10 milhões de IR. Por ano, pode abater até R$ 400 mil por meio de projetos incentivados. Então, na declaração seguinte, ele deve apenas R$ 9,6 milhões.
Para ser aprovado, o projeto precisa dar lucro?
Também existe a ideia de que somente as realizações culturais lucrativas ou de grande porte podem receber a autorização para a captação. A verdade é bem diferente disso e tem de ser conhecida.
A princípio, não há qualquer distinção. Tanto projetos com capacidade comercial quanto os com dificuldades recebem o sinal verde de captação. No entanto, o entendimento jurídico tem mudado nos últimos anos.
Agora, há a indicação de que as realizações com alto potencial lucrativo ou com capacidade de atrair parcerias privadas não possam captar os recursos. Isso aconteceu, principalmente, por causa do Rock In Rio. O festival milionário de música já utilizou a lei, o que, para muitos, não é considerado justo.
Pensando nisso, novas regras determinam que o lucro pode, sim, existir, mas que ele não deve ser “exorbitante”. Então, atividades com pouco potencial de gerar lucro ganham ainda mais destaque.
Para os patrocinadores, isso não é um problema. Afinal, os principais ganhos decorrem das contrapartidas, como os naming rights, o reconhecimento de marca e o relacionamento com o público.
Dizem que é fácil desviar recursos e transformar a lei em farra, é verdade?
Não! Existem casos de corrupção, como em qualquer lugar do planeta, da mesma forma que pode haver alguém se aproveitando da iniciativa privada para desviar dinheiro. Felizmente, com a Lei Rouanet, identificar esse tipo de crime é muito mais fácil. Isso porque o próprio Ministério da Cultura realiza um controle bastante assertivo de quem recebe ou não o incentivo. Logo, a Polícia Federal pode trabalhar com muito mais informações e inteligência.
Se houver alguma incongruência, o ministério pode aprovar com ressalvas ou solicitar explicações e documentos extras. Se o proponente não puder comprovar o uso, há a reprovação.
No caso das operações policiais, o próprio ministério encaminhou os indícios de desvios. Portanto, trata-se de um mecanismo que tem o devido controle para que tudo saia como manda a legislação.